27 de ago. de 2010

O vestido...

Naquele dia ela me ligou.
Tinha uma festa e queria colocar seu vestido preferido. Era um vestido justo e comprido, uma estampa sóbria, suas cores: preta, cinza e branca... . Mas era um vestido de malha e ainda sem manga. Era inverno!
O que fazer? Achei que não seria adequado... Estava muito frio.
Mas como iria eu lhe falar isso, afinal com quase oitenta anos, ela tem o direito de vestir o que quiser...
Disse-me que uma blusa por baixo dele resolveria... Imagina!
Não será suficiente, retruquei.. Ela insistiu..
Lembrei... Quase oitenta... Está com vontade.. Tem direito !!!
Amanhã vou ajudá-la a por seu vestido... Há de haver um jeito...
Há algum tempo passamos a ser amigas. Ela me pede ajuda quase sempre, sabe que não direi não, porque gosto de ajudá-la, de estar com ela... Sinto como se fosse minha mãe... Cuida de mim e eu dela... Somos amigas!
Lembro de quando comprou o vestido, foi no Natal faz dois ou três anos. Estava tão feliz com seu vestido comprido. Ela é muito animada. Está sempre querendo sair, passear, pena que seu marido não seja “passeador como ela”... é um custo para ela convencê-lo a dar umas voltas por aí...
Às vezes ela sai com uma sobrinha, que como ela, adora passear... Sempre vão ao centro da cidade... Quando recebe seu pagamento gosta de fazer umas comprinhas... Ir a médicos então é quase um divertimento, pois esses ela tem aos montes, de toda especialidade...
E claro que precisamos de médicos, e os idosos mais ainda, pois além de cuidar do corpo, eles precisam de atenção, uma certeza de ter alguém cuidando deles. Apesar da família e amigos...
Alguns não têm essa sorte de ter uma família que faça esse papel, existem tantas pessoas sozinhas...
Ontem ela veio me visitar, moramos uma ao lado da outra e fazia tempos que não nos víamos e nem conversávamos, às vezes ficamos semanas sem nos ver...
Amanhã irei a casa dela, ajudar com seu vestido. Vamos ver no que vai dar...
De manhã logo cedo, ela me ligou. Eu estava no banho me aprontando para ir vê-la. Combinei que estaria lá em alguns minutos... Seria o tempo de “um banho e um vestir”. Enquanto me arrumava comecei a pensar o que levaria para combinar com o vestido. E ao mesmo tempo deixá-la abrigada e quentinha... O que teria eu para combinar com seu vestido comprido?
Peguei dois casacos: um bege outro verde musgo, que a noite passaria por preto. Levei também duas pashiminas nas cores do vestido, coloquei tudo numa bolsa e lá fui eu...
Toquei a campainha e ela atendeu no mesmo instante. Me esperava ansiosa. Lavava a louça do café pra passar o tempo...
Sem pestanejar ela me levou para o seu quarto...
O vestido estava lá esticadinho, passadinho... em cima da cama...como personagem principal. Ela o mostrou, orgulhosa. Ao lado, uma anágua.
Pedi que vestisse o vestido, par ver se combinaria com as coisas que havia trazido, e o mais importante, se isso tudo a deixaria quentinha... Essa era na verdade a minha preocupação... Afinal ela tinha quase oitenta...
Enquanto vestia o seu vestido lembrou-se de uma echarpe que comprara e ainda não usara. Não havia tido ainda uma oportunidade.
Tirou a echarpe do armário, era preta fofinha, cheio de bolinhas... Decidi guardar as pashenminas... A echarpe ganharia a parada! rsrsss
Quando colocou o vestido e olhou-se no espelho é que percebeu sua barriga... Disse-me que era resultado de uma cirurgia que fizera, o medico havia alertado que isso poderia acontecer... Falarei de novo com o medico, me disse.
Fiquei um pouco preocupada com aquilo, mas não deixei transparecer...
Mas, voltemos ao vestido...
Ela experimentou primeiro o casaco bege, não gostou, nem eu. Passamos para o verde musgo. Este gostamos, colocou então seu echarpe novo no pescoço e sentiu-se linda. E estava realmente... Mas preocupava-me o fato das pernas estarem apenas cobertas pelo vestido fino e uma meia, também fina.
Disse isso a ela e acho que foi naquela hora que percebeu que iria sentir frio... E se lembrou de um terninho vinho, quentinho... calça comprida e casaco num pano que parece uma lãzinha...
Pedi que experimentasse, ela concordou, acho que pra me agradar, pois tirou o seu vestido e perdurou-o com todo cuidado.. para usá-lo mais tarde...
Pegou uma blusa de lã com gola rolê e colocou por baixo de seu terninho. Sentiu-se aquecida, agasalhada... Pensou bem e decidiu ir com ele e com a sua echarpe, claro...
O vestido ficou ali pendurado... esperando uma próxima ocasião...
À noite, arrumou-se, esperou sua companhia e foram para festa. Aproveitou bastante e nem lembrou mais do vestido...
Com certeza o guardaria no dia seguinte...

Regina - 15/08/2010

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